quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Sobre livros: A mulher do vizinho

A mulher do vizinho de Fernando Sabino, é um livro de contos, técnica de ficção. A leitura nos propõem episódios, incidentes, reflexões, encontros e desencontros, fazendo assim que os leitores participem de algum modo das leituras como sendo um dos personagem, e relata acontecimentos usuais do cotidiano do cidadão comum.
Este livro ganhei ano passado, e está na minha lista de para leituras para 2016, e dizer que optei por um ótimo início dos livros, espero que continue assim no andar da carruagem deste ano rsrs o livro não é extenso e tem uma linguagem um pouco antiquada, mesmo com tal linguagem é possível ter uma leitura tranquila e divertida, como um ótimo escritor literário, ele nos ensina a fazer do cotidiano um periódico de humor. O que acontece ao seu redor nunca lhe passa em branco ou é desimportante (preto e branco pg 162). Em pequenos acontecimentos triviais, o olhar do ótimo escritor se dobra em agradecimentos pela oportunidade de colocar seu dom em prática.
Fiquei facinada pela leitura e me identifiquei entre os 203 contos, mas um me chamou ainda mas a minha atenção e logo no início, bom o primeiro para ser exata rsrs...

ESCRITÓRIO
... "Fica sendo então escritório, tão- somente. Nem mesmo de literatura: apenas um local onde possa acender diariamente o forno (no sentido figurado, apresso- me a tranquilizar o condomínio) desta padaria literária de cujo produto cotidiano, fresco ou requentado, vou vivendo como São Francisco é servido. Levo para o meu novo covil um mesa, uma cadeira, a máquina de escrever - e me instalo, á espera de meus costumeiros clientes.Estranhos clientes estes, que entram pela janela, pelas paredes, pelo teto, trazidos pelas vozes de antigamente, vindos numa página de jornal, ou num simples ruído familiar: projeção de mim mesmo, ecos de pensamentos, fantasmas que se movem apenas na lembrança, figuras feitas de ar e imaginação." Pg 10.

É o tipo de leitura que transforma uma viagem de metrô ou um passeio pelo centro da cidade num exercício de percepção.

Esse é o conto do título do livro:
A mulher do vizinho
Contaram-me que na rua onde mora (ou morava) um conhecido e antipático general de nosso Exército morava (ou mora) também um sueco cujos filhos passavam o dia jogando futebol com bola de meia. Ora, às vezes acontecia cair a bola no carro do general e um dia o general acabou perdendo a paciência, pediu ao delegado do bairro para dar um jeito nos filhos do sueco.     
O delegado resolveu passar uma chamada no homem, e intimou-o a comparecer à delegacia.     
O sueco era tímido, meio descuidado no vestir e pelo aspecto não parecia ser um importante industrial, dono de grande fabrica de papel (ou coisa parecida), que realmente ele era. Obedecendo a ordem recebida, compareceu em companhia da mulher à delegacia e ouviu calado tudo o que o delegado tinha a dizer-lhe. O delegado tinha a dizer-lhe o seguinte:     
— O senhor pensa que só porque o deixaram morar neste país pode logo ir fazendo o que quer? Nunca ouviu falar numa coisa chamada AUTORIDADES CONSTITUÍDAS? Não sabe que tem de conhecer as leis do país? Não sabe que existe uma coisa chamada EXÉRCITO BRASILEIRO que o senhor tem de respeitar? Que negócio é este? Então é ir chegando assim sem mais nem menos e fazendo o que bem entende, como se isso aqui fosse casa da sogra? Eu ensino o senhor a cumprir a lei, ali no duro: dura lex! Seus filhos são uns moleques e outra vez que eu souber que andaram incomodando o general, vai tudo em cana. Morou? Sei como tratar gringos feito o senhor. Tudo isso com voz pausada, reclinado para trás, sob o olhar de aprovação do escrivão a um canto. O sueco pediu (com delicadeza) licença para se retirar. Foi então que a mulher do sueco interveio: 
— Era tudo que o senhor tinha a dizer a meu marido? 
O delegado apenas olhou-a espantado com o atrevimento.
— Pois então fique sabendo que eu também sei tratar tipos como o senhor. 
Meu marido não e gringo nem meus filhos são moleques. Se por acaso incomodaram o general ele que viesse falar comigo, pois o senhor também está nos incomodando. 
E fique sabendo que sou brasileira, sou prima de um major do Exército, sobrinha de um coronel, E FILHA DE UM GENERAL! Morou?     
Estarrecido, o delegado só teve forças para engolir em seco e balbuciar humildemente:     
— Da ativa, minha senhora?E ante a confirmação, voltou-se para o escrivão, erguendo os braços desalentado:     
— Da ativa, Motinha! Sai dessa...

Então segue uma ótima dica para ler, se divertir e aprender, com as ironias nossas de todos os dias que somos obrigados a sobreviver e aaah...
"nunca duvide: prestígio por prestígio, a do vizinho é sempre melhor."

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